heróis-a-dias
e as capas por passar.
20.11.17
19.5.12
cardoso destinatário
cardoso andava espantado com a vida que se assomou à caixa do correio. cartas dali, embrulhos de-lá longe, postais internacionais, correio prioritário. mal sabia cardoso que o selo que lhe haviam colocado para descargas dérmicas de analgésico tinha este efeito secundário, de tornar verde e central a caixa que outrora apenas guardava contas, convocatórias e variados cupões. e assim foi. num dia cardoso arrumava com as dores, selado com prioridade, no outro magnetizava cartas, encomendas e outros conteúdos postais. admirado com o efeito, abria os braços de manhã para os fechar só à tarde repletos de embrulhos, envelopes recheados e os postais mais variados. razões bastantes para cardoso andar feliz da vida e sem dores, selado com muito gosto.
até que um dia, o exército de remetentes veio pedir respostas e cardoso viu-se aflito com tantos destinatários.
mas foi assim que tudo recomeçou e os selos voltaram a ser colados com cuspe.
9.5.12
mar&ana
são amigas há trinta anos e todas as semanas se encontram no tanque para lavar a roupa e a vida. ali para lubeirinha, onde a estrada mal amanhada amaldiçoa costas e cabelos armados.
depois, sentam-se lado a lado e à sombra mal parada da roupa a secar dobram em quatro, o tempo. a mais nova lê as cartas que recebem e a mais velha recorta cupões de desconto. despacham toda a correspondência e uma vez por mês fazem o percurso dos supermercados, armadas de cupões e sobrancelhas inclinadas. ninguém as enrola, nem por carta nem promoção. sabem ao que não vão e voltam sempre antes da roupa ficar tesa de tanto sol.
quando chove, dão uns pontos na vida dos outros, nos degraus abrigados que dão para a estrada e adivinham as cores dos carros que hão-de vir. conforme acertam, um desejo que se concretiza. e não pode ser um clássico.
a cada um a sua tardada.
8.5.12
célio cupido diante de peitos abertos
no outro dia, célio cupido lavava a loiça e
começou a agrupar em pares as coisas semelhantes como se houvesse espaço para caras
metades de objectos. pareceu-lhe tudo melhor e fez o mesmo com a cor das molas,
enquanto estendia um cesto de roupa.
depois viu gente a apaixonar-se
porque lhes via tremerem as mãos enquanto transacionavam papéis de assuntos
relevantes. havia até quem tremesse os lábios quando se preparava para dizer
algo menos ortodoxo. criou-se uma espécie de angústia e o aqui e agora
abateu-se sobre os homens.
dias mais tarde, havia flores e
cartas por aí. suspenderam-se os conflitos armados da intimidade. havia
acrobacias na rua para saltar para os colos dos parceiros. e beijos mais
demorados que os do senhor doisneau. sobretudo, havia
disponibilidade e corações delgados.
mais tarde, ainda a madrugada
arrancava da calçada, quando gente-só tomava o dia e caminhos nas suas vidas
presentes, chuvosas e muitas vezes chorosas nessa intimidade desocupada. porque
nunca se falava de amor de improviso.
inventaram-se cursos de sedução,
de paciência e de tolerância. cães, filhos e flores. tudo planeado para um amor
de repente.
e célio cupido gritou, pontapés às molas, panos da loiça pelo ar, documentos amachucados, serviços mal amanhados, ruas sem sentido! que é feito dos instantes que alinhavados uns aos outros, acrescentam formigueiros à alma e corações ao alto? e cosê-los à máquina do tempo, e serem nossos e para sempre?
1.5.12
em dias heróicos
a diagonal da minha sala é curta para piruetas e outras tangentes ao tapete. de maneira que lá foram eles mais os cravos e as convicções, às ruas deste país, já lá vai para mais de uma semana. ver como se fazem consensos pela felicidade e como somos todos primos nisto de querermos uma terra diferente.
e lá foram eles com trejeitos de heróis-a-dias a quem queriam obrigar a
trabalhar neste dia.
se a força fosse outra e a solidariedade moribunda.
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