18.8.11

carlos paixão

teve um desgosto de amor, faz alguns anos. entristeceu-se e acabrunhou-se ao volante em quilómetros de estrada e de vida. passou noites em claro agarrado ao peito, e outras tantas dentro do carro, sem coragem. 
mas depois veio a crise e ele revoltou-se. sem amor nem dinheiro, apaixonado e militante, empenhou-se o mais que pode contra todas as injustiças - em especial naquela das portagens. e ainda que de coração esfarelado, na dianteira de todos os protestos. até que um dia, peneiradas as razões, eleições e convicções, retomou contrafeito as autoestradas e respectivas portagens.  

e tinham substituído os homens por máquinas!
purpúreas, de voz calma e feminina.

era então o homem ou a máquina. a solidão ou o monólogo do pagamento semi-automático.  e rendido, optou pela máquina. e envergonhado e sempre, pela voz calma e feminina. 
assim teceu ilusões e embrenhou-se em fantasias. uma delas semelhante à do locutor conturcionista dentro da caixa de rádio antiga. deu-lhe um nome. penteava-se na fila para o pagamento automático da portagem. compunha a voz para, por entre o insira-o-título-efectue-pagamento-e-boa-viagem, arriscar uma ou outra palavra de conquista. deixou-lhe bilhetinhos com propostas decentes nos recibos que ninguém quer. e escreveu versos nos títulos para pagamento.


carlos paixão viveu angustiado entre a certeza da injustiça das portagens e a paixão pela senhora-voz das máquinas de pagamento semi-automático. uma angústia que lhe consumiu de tal modo os nervos que acidentado e confuso, não sabe se volta a pegar no carro.


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