ele tem um renault cinco bege e insiste em mantê-lo apesar de todos os contras. também tem uma daquelas casas de paredes bege, móveis de cerejeira e candeeiros dourados. é uma casa de silêncios e algum rádio. nela nunca se nota se é verão se é inverno porque as cortinas estão sempre corridas e a água corre sempre na mesma quantidade. cheira muitas vezes a leite fervido e naftalina e nada mais que as memórias recuperem. parece tudo vazio menos uma prateleira com livros e um cesto com pêras desta época. e acho que tem mulher ou teve porque tem uma filha. sorte a dela que cresceu mais do que ele, mas quase adulta ainda anda de mochila. discutem todos os dias porque ela anda sempre na linha mas só usa a mochila num dos ombros e isso deixa-o nervoso. de resto nada a apontar.
à sexta é dia certo de cinema. vão os dois mais ou menos contentes, no supercinco bege em que ninguém repara. ele enterrado no lugar do condutor e ela cansada do equilibrismo. no entanto fazem o caminho todo a falar e entendem-se bem, apesar daquilo da mochila. por infortúnio, onde vivem já só há cinema onde há jumbo e neste caso uma coisa implica a outra mas não obriga ainda. nesse dia por precaução insistem é em vestir mais camadas de cinzento para contrariar o excesso de luz e cores até à grande tela.
é verdade que têm manias. mas é da maneira que ninguém suspeita que neles se esconde uma dupla de heróis com descanso semanal diante das vidas planas dos outros.
Até dói, de tão lindo...
ResponderEliminarUm dos mais comoventes textos, este!