chegou a uma certa idade e mudou-se para casa do filho. um e outro podiam outras coisas mas assim estava bem. vestia-se todos os dias como se fosse sair e o melhor que fazia era ir à varanda em dias sem chuva e regar as plantas, nos outros, à entrada do andar. de resto, sempre em casa porque se entretinha com isto e com aquilo e nos intervalos enrolava os polegares das mãos pousadas sobre o colo e isso repousava-a como o chá de tília. toda ela era arrumada, passada e delicadamente cheirosa. sempre bem postada e nunca com migalhas.
ajustava-se perfeitamente ao apartamento e, ainda que não gostasse, cedo decidiu ser cordial com o gato e deixá-lo recostar-se também no sofá.
para luísa querido a vida seguia comedida mas composta. tinha um interesse particular por máquinas fotográficas descartáveis que usava sem contenção, mas vinte rolos por revelar, escondidos na mala que nunca havia de usar. e cosia peúgas.
só via televisão com o filho, mas sozinha, aventurava-se apenas nos últimos episódios das novelas, para não se viciar e porque apenas queria saber o que tinha acontecido a uma rapariguinha que por lá andava. muito piegas mas muito bonitinha, coitadinha.
assim andou, assim andou, até que numa noite recente, sentada mais o filho, a olhar para a televisão, disse que ia à manifestação de sábado e cheia de razão. o filho assustou-se e o gato saltou do sofá. se não for agora é quando?
e anda também. não sejas piegas.
Tenho pra mim que hoje estarão lá a Luísa, a Rosa, a Isabel, a Etelvina... e talvez também os filhos. E até alguns maridos.
ResponderEliminarTenho pra mim que hoje poderá ser o primeiro dia do resto das suas vidas, como dantes se ouvia cantar.
Quem dera!